Saturday, March 04, 2006

 

Maratona Nocturna de Futebol no Linhó

Já passou mais de uma semana desde que os Mártires da Bola participaram nesse grande evento que decorreu no Linhó, mas de certeza que ainda temos todos a memória bem viva dessa noite. As partes da minha memória que estão mais vivas são no joelho direito e na parte de baixo das costas. O Francisco Parreira, um dos Mártires, está em casa até hoje porque ainda não consegue andar... Quem disse que o futebol não dá saúde?...

Tudo começou na última sexta-feira de Fevereiro, à tarde, quando o Miguel Carneiro (quem mais poderia ser) passou por poster que tinha as palavras "Torneio de Futebol" e "Prémio de 1500 euros". Usando o seu aparentemente inesgotável saldo de telemóvel, de imediato ele pôs-se em acção ligando para toda a gente que conhecia e convencendo-nos, utilizando argumentos subtis, a vir jogar futebol contra equipas desconhecidas durante seis horas seguidas numa sexta-feira à noite depois de uma semana de trabalho:

--"Eh pá, vai ser muita louco, vai o pessoal todo, e temos uma equipa muita boa, ganhamos aquilo à vontade!"

--"Tás a gozar, isto é alguma partida de primeiro de Abril antecipada?"

--"Não tou nada, a sério, vai mesmo haver um torneio esta noite, ao pé da prisão do Linhó, entre a meia-noite e as 6 da mnhã e eu vou-nos inscrever e nós vamos lá ganhar aquilo!"

--"Mas..."

--"Mas nada, vai ser uma noite diferente, e eu confio de tal maneira em vocês que pago a inscrição, que são 200 €, só pelo prazer de irmos todos jogar. Como vocês jogam todos muito melhor do que eu, eu fico só a coordenar e a organizar tudo e se for preciso até nem jogo."

--"Ainda acho que estás a gozar comigo..."

--"Olha, mas se for verdade, e se eu vos inscrever, vocês vêm jogar?"

--"Ainda acho que estás a gozar comigo, mas, pronto, ok, se for verdade, eu jogo..."

E pronto, um a um, fomos todos apanhados e levados a ir até lá dar uma espreitadela, quanto mais não fosse, só para ver se era verdade ou não. Eu ainda disse que o meu carro estava avariado, mas o Carneiro não se descoseu, e respondeu prontamente:

--"Não há problema, vou-te buscar a casa, eu quero é que vocês venham todos participar."

À medida que a hora do jogo se ia aproximando, ia dando por mim a pensar coisas do tipo: "Está a chover torrencialmente, o jogo será indoor ou ao ar livre?" ou "Está um frio do caraças, vamos levar hora e meia só para aquecer" ou ainda "Onde fica o Linhó?".

Não sei porquê, imaginei na minha cabeça, um evento com uma componente social bastante alta, tipo torneio de golfe organizado por alguma revista de tias, frequentado por quarentões de barriga acompanhados pela família, onde nos intervalos entre os patés e os champanhes se daria uns toquezinhos numa bola para o fotógrafo registar o momento. Se era o Carneiro que estava a organizar, não haveria de ser nada muito mais pesado do que isto...

Quando chegamos ao local, a primeira certeza com que ficamos foi a seguinte: Eramos de longe a equipa com os gajos mais velhos e com as maiores barrigas!

Depois vimos o tal poster que o Carneiro tinha visto: de facto havia um prémio de 1500 euros para o vencedor, mas havia também árbitros federados (afinal isto era mesmo à séria!) e POLICIAMENTO durante os jogos!!! Afinal o ambiente não ia ser assim tão social quanto isso...

Muito pelo contrário, a primeira coisa que se teve de fazer foi assinar um termo de responsabilidade por eventuais actos de vandalismo cometidos pelos membros da equipa...

Ao menos os campos eram relvados e cobertos.

À medida que a noite ia avançando não pudemos de deixar de reparar noutras coisas:

1 - Todas as equipas tinham todos os jogadores com equipamento próprio (algumas das equipas tinham até todos os jogadores com o mesmo corte de cabelo e penteado...); nós andamos a noite toda a tentar que toda a gente da nossa equipa que estivesse em campo tivesse pelo menos as t-shirts duma cor vagamente parecida .

2 - Algumas das equipas tinham treinadores que lhes davam palestras tipo Mourinho nos balneários entre um jogo e outro; nós tinhamos a Sandra a tirar fotografias.

3 - Todas as equipas tinham dezenas, às vezes centenas de substitutos. Nós chegamos a pedir à Sandra que se equipasse e começasse a aquecer.

4 - Algumas das equipas tinham geleiras com tudo o que um atleta de alta competição pode precisar de comer ou beber durante quinze dias; nós tinhamos um garrafão de água e uns copos de plástico.

5 - Todas as equipas costumavam jogar futsal regularmente com a bola apropriada e sabiam as regras todas de cor e salteado; nós aqueciamos com uma bola de futebol de onze e interrompíamos os jogos a meio para esclarecer dúvidas acerca das regras com o árbitro.

6 - Nos intervalos entre um jogo e outro, algumas das equipas faziam jogos treino, aquecimentos coordenados, alongamentos, etc, etc.; nós estendiamo-nos todos estourados no chão ao comprido a congelar enquanto esperávamos o jogo seguinte.

7 - Todas as equipas sabiam exactamente contra quem iam jogar e os resultados que precisavam de obter para passar à fase seguinte; nós nem sequer sabíamos o nome da nossa equipa, em que grupo estavamos ou que horas eram.

E assim sucessivamente. É caso para dizer que as nossas hipóteses de ganhar os 1500 euros baixaram para menos de zero ainda antes do primeiro toque na bola.

Por incrivel que pareça, o nosso primeiro jogo foi contra aquela que devia ser a segunda pior equipa que por lá havia, e até conseguimos empatar, depois de termos estado a ganhar por dois a zero. A partir daí foi o descalabro completo.

Entre lesionados, cansados, congelados e esfomeados, perdemos os dois jogos seguintes por 11-2 (o árbitro só contou 10-2, deve ter-se distraído durante uns segundos...) e 5-2. Tendo em conta que os jogos estavam atrasados quase 2 horas, que já não tinhamos hipóteses nenhumas de passar à fase seguinte (ainda bem, porque senão teríamos de voltar no dia seguinte e jogar mais seis horas...) e que alguns de nós já pediam para serem alimentados a soro decidimos no final do terceiro jogo irmos embora. Nesta altura deveriam ser quase umas cinco da manhã.

Mandamos o Carneiro interromper as promessas de leite com chocolate e torradas que teve a noite toda a dizer à Sandra que ia fazer quando chegasse a casa (como forma de agradecimento por ela estar ali a congelar e a tirar fotografias) e avisar o organização que íamos embora; talvez tivessem pena de nós e nos devolvessem parte do valor da inscrição...

Quando já estávamos à porta e nas despedidas uma das equipas do nosso grupo veio ter connosco e pediu-nos por favor para não irmos embora! Não porque nos quisessem ver em acção ou porque gostassem muito de nós como seres humanos mas sim "porque precisavam de nos dar uma cabazada para terem melhor goal-average e assim conseguirem passar à fase seguinte."

Lá nos levantamos das cadeiras de rodas, pousamos as muletas e os soros e arrastamo-nos de volta para o campo; para não congelarmos mais duas horas à espera da nossa vez o organizador e o árbitro fizeram o "especial favor" de permitir que jogassemos imediatamente a seguir. Jogar é como quem diz... estarmos lá nós ou uns bidons era quase a mesma coisa. Mesmo assim vendemos cara a derrota: "só" perdemos por 7-2; esperamos sinceramente que estes golos tenham sido úteis à equipa em causa e que tenha conseguido passar à fase seguinte.

Antes que nos "pedissem delicadamente" para participar no quinto jogo, fugimos todos dali e viemos para casa fazer leite com chocolate e torradas com manteiga.

No dia seguinte tivemos (falo por mim) de pedir ajuda para conseguirmos sair da cama.

Nunca mais na vida hei-de criticar o Figo ou o Rui Costa por, aos trinta e tal anos, parecerem um bocadinhos mais cansados e lentos que o resto do pessoal...

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